Disputa jurídica

Prefeitura cobra R$ 17 milhões da Fatec, que nega estar devendo

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Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)
Fundação alega imunidade tributária para não pagar dívida de ISSQN cobrada pela prefeitura sobre serviços prestados ao Detran/RS

A prefeitura pretende dar continuidade à cobrança de um crédito de R$ 17 milhões que alega ter junto à Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia (Fatec), entidade de apoio da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Segundo o Executivo municipal, o montante se refere ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), que a fundação deveria ter recolhido aos cofres públicos municipais de agosto de 2003 a novembro de 2006, período em que a Fatec prestou serviços ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e emitiu notas fiscais ao órgão. O valor em litígio se refere ao período investigado pela Operação Rodin, que apurou irregularidades envolvendo a fundação de apoio e o órgão de trânsito gaúcho.

O débito foi cobrado na Justiça, por meio de uma ação de execução fiscal na 1ª Vara da Fazenda Pública, e também foi alvo de um recurso no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). A Fatec alega ter imunidade tributária reconhecida pelo Judiciário, enquanto a prefeitura argumenta que esse benefício se refere apenas a tributos sobre projetos que dizem respeito à atividade-fim da fundação, na qual não se enquadraria o convênio com o órgão de trânsito para aplicação de provas práticas e objetivas de emissão de carteira de motorista.

A última decisão é a do TJRS, que transitou em julgado em 27 de junho, não cabendo mais discussão. Essa decisão confirma, em parte, a sentença da juíza Eloisa Helena Hernandez de Hernandez, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Santa Maria, e reconhece a imunidade da Fatec, porém só para serviços ligados a sua finalidade institucional. Ou seja, que incluam gerência técnico-administrativa de projetos científicos na área de tecnologia, das ciências e das artes vinculados à UFSM.

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O Tribunal determinou que, em 60 dias, a prefeitura excluísse dos R$ 17 milhões todas as cobranças que não se enquadrassem naquilo que pode cobrar, mas até sobre isso há interpretações diferentes. A procuradora-geral do Município, Rossana Schuch Boeira, diz que a prefeitura está cobrando o que tem direito a receber.

"Os R$ 17 milhões referem-se exclusivamente a serviços prestados pela Fatec ao Detran nos anos de 2003 a 2006, oriundos de contratos que deram origem à Operação Rodin, o que nem sequer foi rebatido na ação ordinária. Assim, a partir do momento em que se reconhece que os serviços que deram origem ao débito em execução não possuem relação com a finalidade essencial da fundação, não há motivos para que estes sejam imunes à tributação", diz um trecho da nota enviada pela procuradora Rossana.

SEM CERTIDÃO
Já a Fatec, via os advogados Victor Hugo Rodrigues Vianna e Antonio Maioli, diz exatamente o contrário.  

- A Justiça decidiu que a Fatec tem imunidade tributária e anulou o título de R$ 17 milhões. Isso significa que o município tem que começar a fazer um novo título (de cobrança), enquanto isso, a Fatec não deve nada. E tem mais: a Fatec tirou nota fiscal para o Detran e pagou todos os impostos. Na hora em que for peneirado e esclarecido, o município vai acabar sendo devedor de danos morais, mas não temos interesse em cobrar por danos - diz Maioli.

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A Fatec, contudo, adianta que vai entrar na Justiça, ainda esta semana, para que a prefeitura seja obrigada a fornecer certidão informando a situação tributária da entidade. Maioli diz que a fundação teve que recorrer ao Judiciário, há cerca de um mês, para obter o documento.

- Fizemos um pedido e estamos aguardando há mais de cinco dias. Se o Executivo não nos der uma certidão, nem que seja positiva (com registro de débito), vamos entrar com um mandado de segurança para obter o documento - diz Maioli.

O desfecho do caso ainda está longe de ocorrer. O próximo passo é a prefeitura atender à determinação judicial sobre o valor.

O QUE DIZ A PREFEITURA
Nota divulgada pela procuradora-geral do Município, Rossana Schuch Boeira

Esclarecemos que a afirmação da Fatec de que "a prefeitura não pode mais cobrar os R$ 17 milhões e tem que tirar a fundação da lista de devedores" é absolutamente inverídica. Tal alegação trata-se de interpretação propositadamente equivocada das decisões judiciais proferidas nos processos envolvendo o Município e a Fatec e, aparentemente, com o intuito de induzir a população a erro, posto que em momento algum foi decidido que a Fatec não devia nada ao Município, muito pelo contrário. De todos os processos envolvendo a Fatec e o Município, somente em um deles houve decisão no sentido de reconhecimento de imunidade tributária da entidade e, ainda assim, a própria sentença deixa bem claro que tal imunidade alcança somente os serviços vinculados à atividade-fim da fundação, ou seja, gerência técnico-administrativa de projetos científicos na área de tecnologia, ciências e artes vinculados à UFSM, o que foi confirmado pelo Tribunal de Justiça. De mesmo modo, a sentença reconhece também que outros serviços prestados a terceiros pela Fatec e que não tinham ligação com projetos científicos da UFSM deveriam ser tributados, que é exatamente o que aconteceu. Os R$ 17 milhões referem-se exclusivamente a serviços prestados pela Fatec ao Detran nos anos de 2003 a 2006, oriundos de contratos que deram origem à Operação Rodin, o que nem sequer foi rebatido na ação ordinária. Assim, a partir do momento em que se reconhece que os serviços que deram origem ao débito em execução não possuem relação com a finalidade essencial da Fundação, não há motivos para que estes sejam imunes à tributação, até mesmo em razão de que foi exatamente por meio da Operação Rodin que se constatou que muitas das contratações e subcontratações que a Fatec fez durante o período de vigência do contrato com o Detran seriam, em verdade, de distribuição disfarçada de lucros e aplicação de recursos em destinos totalmente desvinculados dos objetivos institucionais da Fatec, como é de amplo conhecimento hoje.

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Especificamente com relação ao processo em que está sendo cobrada a dívida, cabe salientar que a referida decisão que determinou ao Município a verificação de valores e adequação de CDAs transitou em julgado somente em 27/06/2019, não tendo ainda transcorrido o prazo de 60 (sessenta) dias para serem feitas alterações porventura existentes. Entretanto, já foram anexados aos autos documentos que demonstram que toda a dívida cobrada é referente a Notas Fiscais emitidas pela Fatec ao Detran, de modo que se acredita que não há nada a ser alterado quanto a valores, estando ainda tal questão pendente de análise completa pelo setor responsável. De todo modo, ressalta-se novamente que o juízo em momento algum determinou o cancelamento da dívida e a extinção da execução, apenas adequação de valores, caso necessário. No presente momento, não está mais sendo discutida a imunidade da Fatec.

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Conforme apurado pelo próprio Diário de Santa Maria, entre agosto de 2003, quando a Fatec assinou contrato com o Detran, e 2007, ano da Rodin, teriam sido desviados R$ 90,6 milhões, valores estes que, atualizados para março de 2019, representariam um desvio de aproximadamente R$ 148 milhões de reais. Entretanto, não é só o Estado e o Detran que foram lesados nas fraudes da Operação Rodin, o Município também foi, posto que, além de desviarem milhões de reais de forma fraudulenta, os operadores do esquema, já condenados em primeira e segunda instância, nem sequer pagaram os tributos devidos, tendo se utilizado do status de "Fundação" da entidade como ferramenta para tentar burlar o Fisco. É isso que está sendo cobrado da Fatec, e o mínimo que se esperava era que esta buscasse reparação dos responsáveis pela fraude, não que discutisse a cobrança de débito, que se sabe que é devido.

Enfim, cabe por último esclarecer que, além da cobrança de ISSQN, a Fatec também possui outras dívidas junto ao Município, uma quantia milionária relacionada a cobrança de multas referentes a contrato feito entre o Município à Fatec para o fornecimento por esta de um sistema de informações municipais. Entretanto, tal sistema rapidamente foi abandonado pelo Município em razão da sua baixa qualidade, estando até hoje sendo cobrado na Justiça o pagamento pelas multas aplicadas em decorrência de inadimplência contratual.


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